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SOBRE O ATELIER

Texto disponível em:

Prática Profissional em Ambiente Acadêmico: Associando Pesquisa, Ensino e Extensão

Autores : Guilherme Lassance, Patricia Figueira Lassance, Elaine Garrido Vazquez, Ivete Farah, Paulo Fernandes Neves Rodrigues e Pedro Engel Penter.​

Artigo publicado na Revista FAU UFRJ, número 3, páginas 18 - 23, ano 2013.

Introdução

        Apesar da evidente transformação nos modos contemporâneos de se pensar e projetar a Arquitetura, ainda existe uma persistente falta de articulação dos profissionais implicados. A divisão do trabalho herdada da histórica separação entre os arquitetos e engenheiros oitocentistas, tem se intensificado com a crescente especialização dos atores atualmente envolvidos no processo de projeto. A autonomia de visões e abordagens é orientada pela crescente independência dos especialistas, e possui como principal consequência, um nível muito pequeno de evolução dos padrões de especificação nos projetos de edificação, se comparado a outros setores de criação e produção.

        A formação dos profissionais da construção tende a se consolidar como treinamento técnico avesso à inovação. Procedendo desta forma, a academia satisfaz os interesses da indústria da construção no sentido da padronização de seus processos e produtos. Este tipo de cenário cria condições muito desfavoráveis ao atual enfrentamento dos desafios da sustentabilidade, e implica, ao contrário, numa sinergia muito maior entre os especialistas em prol de processos e soluções integradas.

         Nesse sentido, cabe aqui constatar um duplo isolamento: o da separação entre ensino e prática profissional, apoiado no afastamento entre Universidade e sociedade, e o da fragmentação de conteúdos em especialidades disciplinares, que tornam as Grades Curriculares dos nossos Cursos cada vez mais compartimentadas, em contradição com as intenções daqueles que há muito defenderam e ainda hoje advogam pela constituição de um campo disciplinar das ciências da concepção (SIMON, 1969; CROSS, 2007).

 

Uma estrutura para prática profissional na academia

 

       Movidos pela vontade de combater esse isolamento, criamos, desde 2006, uma estrutura de projetos capaz de proporcionar uma Experiência Integrada de Ensino. Trata-se de organizar, no âmbito acadêmico, uma atividade profissional voltada para a prestação de serviços pela Universidade para a sociedade de modo geral.

         A criação dessa estrutura teve duas origens principais. A primeira delas vem de cima para baixo e está relacionada com uma política geral da atual Reitoria, que visa estimular e desenvolver Atividades de Extensão Universitária capazes de provocar e promover condições favoráveis à integração dos diferentes Cursos oferecidos. Esta política parte do pressuposto que o papel da Universidade deve transcender suas tradicionais funções de Ensino e Pesquisa, vinculando-os a ações concretas de serviço para a população e, principalmente, para a sua parcela mais carente e geralmente excluída do acesso às salas de aula do Ensino Superior (FARIA, 2001).

         A segunda origem parte, ao contrário da primeira, de baixo para cima, de iniciativas individuais de uma nova geração de professores de projeto insatisfeitos com um modelo de ensino prático desvinculado da prática profissional, limitando-se a espelhar palidamente (BUCHANAN, 1998).

        Aproveitando aqui e ali oportunidades de ação concreta sobre o espaço da própria Universidade, esse tipo de iniciativa revelou um campo propício para o ensino de projeto circunstanciado por uma prática profissional que – desempenhada em ambiente acadêmico – dispõe de condições mais favoráveis ao exercício crítico indispensável às experiências pedagógicas em nível Universitário.

Infraestrutura de trabalho

                   A organização dessa estrutura foi impulsionada pela oportunidade de um projeto de maior envergadura, um edifício de 3 mil metros quadrados destinado a abrigar laboratórios de pesquisa. A experiência envolveu professores e estudantes de mais de 20 cursos diferentes, dentre eles, os cursos de Arquitetura e Urbanismo e Engenharia Civil, hoje separados em Centros distintos.

          Contrariando essa separação e tirando partido do sucesso e da visibilidade conquistada interna e externamente pela equipe docente e discente através desta primeira experiência, montamos uma infraestrutura de trabalho que hoje ocupa cerca de 500 metros quadrados de salas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Esta estrutura física cujos equipamentos e ferramentas de trabalho foram constituídos como contrapartidas dos mais de 150 projetos realizados ou em andamento, recebe Estagiários da Arquitetura e das diversas áreas da Engenharia. Ela também agrega equipes outrora vinculadas aos Programas de Pós-Graduação, buscando unificar e fortalecer o dispositivo de prática profissional em ambiente acadêmico.

Figura 1. Ambiente de trabalho do Arquilab.

Inserção Curricular

      Em 2006, a criação do Atelier Universitário Arquilab coincidiu com a implementação de uma ambiciosa reforma curricular no Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

       No entanto, não foi mera coincidência, mas uma ação conjunta voltada para o desenvolvimento de uma maior integração interna e externa do curso.

      Produzida e discutida durante os três anos anteriores à sua implantação, a nova estrutura oferece uma série de mudanças que buscam articular Ensino, Pesquisa e Extensão. Dentre a principal alteração está a organização do curso em três ciclos, cuja segunda fase vai do 5º ao 8º semestre, sucedendo o primeiro período de fundamentação de dois anos, é agora abertamente voltada ao aprofundamento do conhecimento em projeto (PEIXOTO e LASSANCE, 2006). Este ciclo inclui a nova exigência das Diretrizes Curriculares do MEC de um Estágio Profissional Supervisionado Obrigatório, bem como uma nova gama de Ateliers Temáticos de Projeto (ATP), dirigido às questões com grande potencial de oportunidades profissionais de projeto.

       A combinação dessas mudanças tem favorecido claramente a institucionalização do Atelier Universitário Arquilab como uma estrutura privilegiada para acomodar a formação profissional. Isto é devido a duas razões principais: a primeira está relacionada ao fato de que a supervisão torna-se mais fácil devido à proximidade de uma aprendizagem desenvolvida na Universidade. A segunda razão diz respeito ao medo de que o estágio possa se tornar ainda mais precário com o seu caráter obrigatório, o que tornaria o estagiário ainda mais dependente e sujeito às condições impostas pelo mercado de trabalho. Além disso, vimos ali uma oportunidade única para aplicar e implementar a pesquisa em Arquitetura, que costuma enfrentar muita dificuldade de articulação com a prática profissional.

 

Figura 2. A tabela apresenta o princípio da inclusão do Atelier no novo desenho curricular do Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU/UFRJ, através do estágio obrigatório. Fonte: Coordenação do Curso, FAU/UFRJ.

Reforma Curricular : 2006

 

A necessidade da delimitação do campo de trabalho

 

      Apesar destas condições muito favoráveis, o maior problema que enfrentamos diz respeito à definição do âmbito de atividades profissionais que desenvolveríamos com este tipo de estrutura. O problema de delimitação do campo envolve preconceitos profundos, como: a concorrência desleal com os escritórios, a falta de competência profissional e compromisso da academia, ou a lentidão dos processos de concepção envolvendo o ensino e a pesquisa.

       Para enfrentar o desafio de definir critérios para a prática desejada, procuramos precedentes a serem usados como argumentos factuais para o estabelecimento de condições institucionais. Diversas referências permitiram o reconhecimento desta atividade como algo que não deve ser confundido com um escritório tradicional focado em serviços técnicos, nem com um Atelier de ensino de projeto geralmente alienado de responsabilidades profissionais.

     Um primeiro precedente pôde ser observado em uma visita à Faculdade de Arquitetura da Universidade Nacional do México (BOTELLO,2005). Este foi inspirado no modelo de investigação Universitário em Engenharia, que concentra grande parte da atividade de projeto e estudo técnico de empresas privadas de engenharia, incapazes de resistir às sucessivas crises que assolaram as nossas economias latino-americanas.

       No entanto, a principal referência foi fornecida pelo relacionamento privilegiado com os diversos órgãos da academia: o Hospital Universitário. Esta estrutura, cuja existência é considerada essencial para a qualidade de um curso de medicina, é concebida como um meio de formação prática para profissões na área Médica. Além disso, ele associa dois aspectos interessantes: a Clínica, e o Laboratório, que é serviço público dedicado à sociedade e uma pesquisa de ponta que dá sentido à estrutura acadêmica e a distingue de outras instalações de saúde pública.

        O Hospital Universitário fornece um meio importante para justificar a necessidade e a possibilidade de recuperar uma atividade de projeto em um ambiente acadêmico, que não pode ser limitada ao serviço de atendimento social comumente associado à atividade de Extensão Universitária, mas também deve incluir atividades de interesse científico associadas ao desenvolvimento urgente de pesquisa e da inovação em Arquitetura (LASSANCE, 2009).

        De fato, essa analogia nos permitiu enfrentar a falsa ideia de uma concorrência desleal com as estruturas profissionais, promovendo, em vez disso, o reconhecimento do papel complementar que este tipo de estrutura pode desempenhar como um parceiro científico da grande maioria dos escritórios cuja escala, organização e fragilidade econômica impedem a criação e a manutenção de um verdadeiro setor de pesquisa e desenvolvimento capaz de contrariar a lógica da padronização dos mercados imobiliários e da construção no Brasil. 

        A grande conquista permitida por tal analogia ainda está por vir. Trata-se do reconhecimento da atividade de concepção como um meio de Pesquisa Científica. Isto é o que nos aproximou de outras referências, entre elas, a experiência desenvolvida pelo mestrado em Arquitetura da Universidade Católica do Chile, apresentado em uma palestra proferida por José Rosas, no último Projetar em São Paulo (ROSAS, 2009). Esta experiência ilustra um novo campo de possibilidades para o desenvolvimento de projetos reais em um ambiente acadêmico propício para o florescimento de uma prática inovadora, com base na busca e no desenvolvimento de novas teorias, regras e procedimentos de concepção, que favorecem a adaptação necessária dos processos de projeto diante das constantes mudanças nas realidades de atuação profissional, e a consequente aquisição de competências transversais no ensino de arquitetura (ROSAS, 2007).

Figura 3. Projeto para o novo Instituto de Biologia da UFRJ (vista da fachada principal).

 

O controle do processo de projeto e a integração de inovação

      A organização desse tipo de estrutura inspira-se em práticas já consolidadas de Consultoria Técnica geralmente associadas aos Centros de Pesquisa das Universidades. Entretanto, a organização busca transcender esta simples parceria Universidade-Empresa, para pôr em prática uma atividade profissional na qual a Academia não desempenhe apenas um papel de apoio técnico-científico para as instâncias profissionais, mas assuma, ao contrário, o controle do processo de projeto como um todo.

     A motivação de assumir o controle justifica-se pela premente necessidade de se constituir condições mais favoráveis ao enfrentamento de um duplo desafio, que diz respeito a uma maior integração no processo de concepção assim como a real possibilidade de inovação. Para tanto, é preciso romper com as práticas profissionais da Engenharia Civil e da Arquitetura que tendem no Brasil, na maioria das vezes, a perpetuar procedimentos acríticos de reprodução de soluções e especificações padronizadas e condicionadas pelo domínio da tecnologia já consolidada pelo mercado e pela indústria da construção.

     Uma concepção integrada – apoiada na articulação de conhecimentos especializados – implica numa efetiva participação dos diferentes especialistas desde as primeiras etapas do processo de concepção. Nos momentos iniciais, decisões de forte impacto para o projeto são tomadas, nos quais os arquitetos estão geralmente desamparados do diálogo com os outros profissionais tendendo a privilegiar esquemas já conhecidos, ou a ensaiar, de forma ingênua, uma solução mais ousada, precariamente inspirada nessa ou naquela referência da moda. Mesmo neste caso, em que pretenderá inovar os especialistas – encastelados em seus saberes herméticos e alijados do processo de concepção por terem sido tardiamente convocados – se encarregarão de desvirtuar qualquer tentativa que fragilize seu pretendido campo de competências e contrariar a sumária reaplicação de suas fórmulas e receitas deduzidas de um respeito cedo às normas em vigor.

         Trata-se de um verdadeiro ciclo vicioso que amarra o ensino de engenharia às lógicas perversas de conquista e defesa de campos de competências profissionais cada vez mais especializadas, que se multiplicam num mercado de trabalho em franco e acelerado processo de fragmentação, contribuindo ativamente para a compartimentação dos saberes e dos cursos que os difundem. Aos arquitetos, destituídos de suas ancestrais atribuições, resta a crença numa competência plena e técnica do projeto, que não consegue resistir às pressões de uma indústria da construção interessada em otimizar seus investimentos graças à padronização de seus processos e produtos.

       As pressões são ainda mais sensíveis quando o padrão construtivo vira norma e ganha força de lei como no caso das licitações públicas que, no Brasil, restringem as escolhas de construção e acabamento a uma lista de processos e produtos oficialmente condicionada e justificada por critérios econômicos que não resistem, no entanto, a uma análise de custo global. Desta lista e, portanto do caderno de especificações, também estão sumariamente excluídos aqueles processos e produtos cuja industrialização e comercialização possam contrariar o nobre, mas falsamente correto, princípio da concorrência. Enquanto projetistas, ficamos legalmente impedidos de implementar pesquisa em obras públicas que deveriam, ao contrário, fornecer oportunidades privilegiadas de promover inovação, justamente pelo fato de não estarem estritamente condicionadas aos critérios de lucro comercial da iniciativa privada.

         Portanto existe uma necessidade urgente de desenvolver novos meios que nos permitam combater esta dicotomia implacável entre a Prática Profissional e a Atividade Acadêmica, especialmente em nossas disciplinas tão intimamente ligadas ao conhecimento prático do projeto.

Figura 4. Projeto para a livraria na FAU/UFRJ.

Figura 5. Estudo de remodelação do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho após demolição da ala sul (‘perna seca’).

Guilherme Lassance é professor da FAU/UFRJ e do PROURB/FAU/UFRJ, e coordenador do Arquilab/Atelier Universitário da FAU/UFRJ.

Patricia Figueira-Lassance é professora da FAU/UFRJ e coordenadora do Arquilab/Atelier Universitário da FAU/UFRJ.

Elaine Vazquez é professora da Escola Politécnica, UFRJ. Departamento de Construção Civil.

Ivete C. Farah é professora da FAU/UFRJ e do PROURB/FAU/UFRJ.

Paulo F. N. Rodrigues é professor da FAU/UFRJ.

Pedro Engel é professor da FAU/UFRJ e coordenador do Arquilab/Atelier Universitário da FAU/UFRJ.

Referências Bibliográficas:

 

BOTELLO, Thelma Lazcano. Proyectos de Vinculación 2001-2004. Cidade do México: Faculdad de Arquitetura UNAM, 2005.

 

BUCHANAN, Richard. Education and Professional Pratice in Design, Design Issues, vol. 4, n. 2, 1998.

 

CROSS, Nigel. Designerly ways os Knowing, Design Issues, vol. 17, n. 3, 2001, p. 49-55.

 

FARIA, Doris Santos de (org). Construção Conceitual da Extensão na América Latina. Brasília: Editora da UnB, 2001.

 

LASSANCE, Guilherme. Do ambulatório ao laboratório: uma perspectiva para o ensino de projeto, Revista da FAU/UFRJ, n. 1, 2009, p. 26-31.

 

PEIXOTO, Gustavo Rocha; LASSANCE, Guilherme. Muitos personagens em busca de um conceito: certezas, dúvidas e reflexões sobre o novo currículo da FAU-UFRJ. Academia, v.7, 2006, p.8 – 11.

 

ROSAS, José. Disciplina, profesion y oficio: uma confusion epistemológica em la ensenanza del proyecto. Em Ruth Verde Zein (ed.). O projeto como investigação: ensino, pesquisa e prática. Projetar 2009, São Paulo: Centro Universitário Mackenzie, 2009.

 

________. Investigación y Proyecto. MARQ, n.2, Magister em Arquitectura, PUC-Chile, 2007, pp. 11 - 13.

 

SIMON,Herbert. The Sciences of the artificial. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1969.

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